COLISÕES FRONTAIS NAS RODOVIAS MINEIRAS TIRARAM A VIDA DE MAIS DE MIL PESSOAS EM TRÊS ANOS

A reta de quatro quilômetros é um cenário que parece improvável para um acidente, dada a possibilidade de se enxergar o tráfego oposto com boa antecipação. Mas nem essa condição favorável nem aparatos como os redutores de velocidade, quebra-molas e placas que restringem a velocidade de carros a 60km/h e a de caminhões a 40km/h impediram que uma carreta invadisse, no último dia 13, a pista contrária da BR-251, em Grão Mogol, no Norte de Minas, e atingisse em cheio um micro-ônibus e uma van. A carga transportada, um outro caminhão, se soltou da carroceria e atingiu mais uma van. O veículo de transporte leve de passageiros chegou ainda a bater em outra carreta, carregada com papel, que tombou e se incendiou. Ao todo, essa invasão de pista causou a morte de 13 pessoas, um ferido gravíssimo, 11 graves e 27 leves. A mobilização para socorro do Samu, por exemplo, contou com 23 socorristas de sete ambulâncias. A tragédia não é um evento isolado, mas uma amostra do tipo de acidente que mais mata nas estradas: as colisões frontais. As chances de morte numa colisão frontal beiram os 40%.

Só nas rodovias federais de Minas Gerais, de 2015 ao primeiro semestre de 2017, dos 2.218 óbitos registrados em acidentes, 800 (36%) foram em batidas de frente. E as rodovias de pistas simples – muitas vezes sem nem sequer contar com acostamentos – correspondem a 97% das estradas que cortam o estado, sendo responsáveis por 89,71% desse tipo de desastre, segundo estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Entre 2014 e 2016, foram 2.821 batidas frontais nas rodovias federais mineiras. Os acidentes causaram 1.091 mortes, índice de letalidade da ordem de 39%. A Polícia Militar não informou os números das vias estaduais e federais delegadas. A reportagem do Estado de Minas circulou por rodovias de pistas únicas federais e estaduais, e mostra ser frequente em todas elas a prática de ultrapassagens indevidas, ignorando faixas contínuas.

Por vezes, esse tipo de manobra imprudente coloca em risco quem trafega no sentido oposto e só tem como opção ingressar no acostamento ou deixar a pista para não bater. São realmente as formas mais graves de acidentes. Quando um veículo se choca frontalmente contra outro, as suas velocidades se somam nesse estrago. São, geralmente, a soma desses três fatores: ultrapassagens indevidas, falta de atenção dos motoristas e velocidade incompatível para o trecho, afirma o porta-voz da Polícia Rodoviária Federal (PRF) em Minas Gerais, inspetor Aristides Amaral Júnior. O palco para isso, na visão do policial, tem sido realmente as rodovias sem duplicação. Nessas estradas, a postura do motorista e a falha humana são potencializadas, conclui.

A mais perigosa continua sendo a BR-381, que passa por obras de duplicação em alguns trechos do segmento norte, de Belo Horizonte a Governador Valadares. Só no ano passado, a rodovia nos segmentos norte e sul foi responsável por 121 óbitos, o que corresponde a 28% das 438 mortes registradas em todas as 15 federais divulgadas. As retenções provocadas em sentidos alternados por conta das obras de duplicação parecem atiçar a irresponsabilidade dos motoristas, que tentam compensar o tempo parado com ultrapassagens perigosas. Aqui é terrível. Já era antes desse tanto de obras, por causa das pistas simples e das sequências de muitas curvas. Ficou ainda mais perigoso nesse período porque o motorista que sai do siga-e-pare quer tirar o atraso em cima das filas de caminhões e acelera pela contramão em locais proibidos, pondo em risco quem vem do outro lado, afirma o caminhoneiro Allan Jorge dos Santos, de 42 anos, que diariamente cumpre o trecho BH-Valadares transportando refrigerantes numa carreta.

Nas rodovias estaduais não é diferente. Mesmo sem obras para testar a sua paciência, os motoristas fazem ultrapassagens perigosas violando as faixas contínuas nos segmentos de Rio Acima a Nova Lima, da MG-030, e o de Nova Lima a Itabirito, da BR-356, que é concedida ao estado. Na BR-356, as cenas de imprudência da Estrada do Ouro se sucedem logo após os acessos aos condomínios da Lagoa dos Ingleses. A maioria das manobras é feita por motoristas de carros, motos e caminhonetes que ficam impacientes com o lento deslocamento dos caminhões e carretas na subida. Logo que vencem o cume do morro e atingem uma parte mais plana, esses condutores ingressam bruscamente na contramão, mesmo em faixa contínua, e aceleram forte para ultrapassar carretas e caminhões ainda em desenvolvimento. Em algumas dessas manobras, acabam dando de cara com veículos vindos em sentido oposto, que, por segurança, são levados a desacelerar e entrar no acostamento. O mesmo ocorre na chamada Serra da Santa, trecho sinuoso entre Nova Lima e Itabirito onde, numa mesma fila de carros, vários invadem de uma só vez a pista oposta para efetuar ultrapassagens proibidas. A Polícia Militar não divulgou dados relativos a acidentes nas rodovias sob sua jurisdição e que fazem parte da maior parte da malha mineira.

Muita promessa, pouca obra

O reduzido número de estradas duplicadas e o crescente tráfego imposto a essas vias invariavelmente estimula o comportamento inconsequente dos motoristas, de acordo com os estudos do Ipea. Para se ter ideia, de acordo com o Secretaria de Estado de Transportes e Obras Públicas (Setop), não há nenhum projeto de duplicação de rodovias mineiras, apenas de concessão, para que isso seja realizado pela iniciativa privada. Atualmente, estão disponíveis dois editais, sendo um deles para a concessão da rodovia MG-424, do entroncamento com a MG-010, em Vespasiano, até a entrada de Sete Lagoas. O outro se refere à BR-135, do km 367,65 ao contorno de Montes Claros (entroncamento das BRs 135, 122, 251 e 365) e o km 668,85, no entroncamento com a BR-040. No mesmo edital serão concedidas também a MG-231, de Cordisburgo à BR-040, e a LMG-754, de Curvelo a Cordisburgo.

A duplicação da BR-381 vem sendo prometida desde a década de 1990 e mais uma vez é alvo de descaso. Atualmente, há obras previstas e sendo realizadas em apenas dois dos 11 lotes do segmento de 303 quilômetros entre Belo Horizonte e Governador Valadares, e que assim foi dividido pelo edital do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT). A atual ordem de execução foi assinada em 2014, pela então presidente Dilma Rousseff (PT). Em agosto último, os primeiros sete quilômetros de pistas novas foram entregues entre Itabira e Barão de Cocais. Até o primeiro semestre de 2017 foram liberados cerca de R$ 530 milhões para as obras e outros R$ 340 milhões que estavam previstos não chegaram a ser gastos.

As atuais concessões também não engrenaram com a duplicação dos trechos de rodovias, mantendo longas extensões ainda com pistas simples. A Via 040chegou a duplicar 74 quilômetros em Minas Gerais, de acordo com a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), pouco mais de 10% do inicialmente previsto. Contudo, a Invepar, que está à frente da concessionária, já ingressou com pedido para a devolução da rodovia ao governo, ou seja, não se pretende mais duplicar nenhum segmento da via no sentido Brasília. A Triunfo também tem planos para duplicar trechos da BR-262 em Minas, mas até hoje nem um quilômetro foi ampliado. A rodovia MG-050, primeira parceria público-privada de MG, também segue com poucos trechos duplicados.

MP Mateus Parreiras
postado em 21/01/2018 06:00 / atualizado em 21/01/2018 07:45

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